Alimente os Peixes!!!!

04 outubro 2009

O Cérebro, a Mente e o Afeto

“As pessoas não choram nas peças de Tom Stoppard, elas pensam.”
A frase de Ben Brantley, crítico do New York Times, ilustra a idéia geral que se tem da obra dramatúrgica de Tom Stoppard e a surpresa que transparece em quase toda a fortuna crítica de Rock’n’Roll. Esta peça parece ser uma espécie de desvio na obra do autor: as pessoas podem se emocionar em Rock’n’Roll. O que não significa, de modo algum, que a peça não faça pensar. Pelo contrário. Apesar de se tratar de um texto escrito com tintas mais emocionais e subjetivas que suas outras peças, Tom Stoppard continua abrindo portas para a reflexão. Mas com outra chave.
Na peça, os personagens Max, professor comunista, Eleanor, sua mulher, filóloga especialista em Safo, e Lenka, estudante tcheca, aluna de Eleanor, falam sobre a diferença entre o cérebro (brain) e a mente (mind). O termo “mind”, em inglês, pode dizer mais do que apenas “mente”. Significa pensamento, inclinação, vontade, juízo, ânimo, consciência, mentalidade, enfim, alma.Talvez seja possível dizer que Rock’n’Roll tenha sido criada pela mente de Tom Stoppard, mais que por seu cérebro. Parece que estão ali as suas inclinações subjetivas, sua visão de mundo, enfim, sua alma. Não apenas porque a peça tem uma ou outra nota autobiográfica, mas por se tratar de uma peça que, ao falar da consciência na poesia de Safo, da ocupação da Tchecoslováquia pelos russos, do posicionamento político dos intelectuais na Inglaterra, fala mais alto sobre as relações de amor e amizade entre seus personagens, sobre as razões subjetivas de suas escolhas.Se essa peça seguisse o protocolo, por assim dizer, da obra de Tom Stoppard, os personagens aqui poderiam ser, por exemplo, o principal signatário da Carta 77, Václav Havel, escritor e dramaturgo, que foi o último presidente da Tchecoslováquia e primeiro presidente da República Tcheca; ou Alexander Dubček, político tcheco que tentou implementar o “comunismo com uma face humana”, liderando o movimento da Primavera de Praga; ou ainda Ivan Jirous, professor de História da Arte e mentor do grupo The Plastic People of The Universe; ou, quem sabe, o romancista tcheco Milan Kundera. Isso seria possível, tendo em vista que, em A Costa da Utopia (2002), os personagens são os agitadores políticos Mikhail Bakunin e Alexander Herzen, e o romancista Ivan Turguenev; e, em Travestis (1974), estão o revolucionário Lênin e os escritores James Joyce e Tristan Tzara. No entanto, em Rock’n’Roll, os personagens são aqueles que vivem a face cotidiana da História: um acadêmico comunista que busca um ajuste decente entre a teoria e a prática, uma professora universitária lutando contra o câncer, um jovem tcheco, doutor em filosofia, que não abre mão dos seus discos por nada nesse mundo e uma mulher perdida entre a genialidade da família e as reverberações da sua adolescência vivida nos anos sessenta.
As mais significativas referências do rock que estão presentes na peça – Syd Barrett e a banda The Plastic People of The Universe – não estão literalmente em cena (a não ser por uma aparição fantasmática logo no início), mas funcionam como motores subterrâneos para os jovens que conhecemos no primeiro ato. As relações entre esses personagens e seus astros do rock são exemplos de como as referências artísticas de uma pessoa são determinantes para a formação da sua subjetividade e até mesmo para o entendimento da sua identidade. Rock’n’Roll parece revelar um outro lado da relação de Tom Stoppard com as suas referências: aqui, elas não são os objetos da sua formação intelectual, são as imagens que formam, em sua mente, uma constelação complexa de identificação, admiração e afeto.

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