Escrevo todos os dias para um homem cego
minha palavra é aguda
de um jeito que o transpassa
e ele nem percebe a hemorragia interna que o consome.
Eu sou cruel em escrever-lhe amiúde.
Todos os dias o carteiro deposita o envelope letal
na caixa de correspondências comunitárias.
Não sei como ainda se conservam as mãos que a manuseiam...
E eu que julgava meu veneno capaz de transpor
os limites da tecnologia!
Todos os dias eu escrevo para um homem mudo
minha palavra é sufocante
de um jeito que o afoga
e ele fica impotente diante da explosão do seu próprio cérebro.
Eu sou demoníaca em escrever-lhe com tanto afinco.
Todos os dias o carteiro deposita o envelope transbordante
poentre a fresta estreita da porta dele.
Não sei como ainda não se alagaram os andares do edifício ...
E eu que julgava minha tempestuosidade capaz de demolir
qualquer dique!
Escrevo todos os dias para um homem surdo
minha palavra é aérea, indiferente
de um jeito que não interfere em seu cotidiano
e ele permanece inatingível.
Eu sou uma idiota em escrever-lhe tão frequentemente.
Todos os dias o carteiro entrega um envelope desesperado,
cheio do meu desejo e da minha angústia.
Não sei como estou viva para contar-lhes esse acaso ...
Eu eu que me julgava uma poeta indiscutível, senhora absoluta das palavras
não fui capaz de conquistar esse homem.
3 comentários:
Puxa...como vc escreve bem, amiga ! Fico feliz por ser MINHA amiga ! Shoooooow....de novo !
Bruiva Feliz
Escrevo bem e, às vezes, inutilmente.
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